segunda-feira, 8 de julho de 2013

Irmandade - Capítulo 2

Em seus olhos pude ver várias emoções passarem, cada uma tinha um brilho diferente. Era interessante de se ver. Acontecia com todos. Primeiro a negação. Depois revolta/depressão. Por último a aceitação. Pelo menos eles tinham alguém para lhes contar o que estava havendo e os ajudar a sobreviver nesse mundo novo.
Levantei-me, meu corpo estava diferente, mais leve e ao mesmo tempo enrijecido. Todos meus sentidos estavam mais aguçados. Estava à noite, mas enxergava como se fosse dia. Não consegui entender o que estava havendo. Caminhei pelas ruas vazias, tentando voltar para casa. Podia ouvir as conversas sussurradas dentro das casas. As respirações. As batidas ritmadas de corações. Uma sensação estranha percorreu meu corpo. Não era fome. E nem sede. Uma mistura dos dois, talvez. Um homem trôpego veio em minha direção. Estava alcoolizado. Disse algo que não consegui entender. Não ouvi sua voz. Só as batidas de seu coração. Meus dentes começaram a doer. Passei a língua neles, os caninos estavam pontiagudos e sensíveis. Minha visão se focou no pescoço do homem. Eu vi o sangue correr em suas veias. De repente estava de frente para ele. Ele sorriu debilmente. Minha mão estava em seu rosto entortando sua cabeça para a direita. Ele tentou se livrar, mas minhas mãos pareciam garras de ferro. Meus dentes perfuraram sua pele. Seu grito ecoou por toda a rua. O líquido viscoso e doce preencheu meu paladar. Goles grandes e rápidos. O homem parou de lutar e gritar. Melhor assim. Aos poucos a  sanidade foi voltando até mim. Achava que ainda havia sangue nele. Em seu pescoço havia dois furos grandes, mas não sangravam. O deixei caído no chão. Torci para que não tivesse morto e corri para casa de meus pais. Quando cheguei a casa e vi meu reflexo no espelho não me reconheci. Meus olhos verdes, agora tinham um intricado prateado que rodeava pupila. Havia ganhado peitos, músculos definidos e quadril. Meu rosto estava todo sujo de sangue. Abri a boca e ali estavam. Os dois caninos. Sujos de sangue, mas ainda brilhavam de forma ameaçadora. Um grito de horror escapou por meus lábios.
- Aram, e Papai Noel também existe? – ele deu uma risada seca, continuei a fitá-lo meu rosto impassível - Que piada de mau gosto é essa?! Ela não tem nenhuma graça. Dá para falar sério?!
- Eu lá tenho cara de humorista? Estou falando totalmente sério.
- Vampiros não existem!
- Se não existem, o que te atacou lá fora? O que te fez passar por toda essa agonia? Um tipo novo de inseto, uma nova doença?
- Não sei... mas vampiros?! É pura fantasia... histórias para assustar crianças! - me deu vontade de rir de sua descrença, de suas feições irritadas, mas mantive minha expressão séria. Tinha que ser profissional.
- Ah! Toda história tem um pouco de realidade.
- Me dê provas que vampiros existem. - ele passou as mãos pelo cabelo negro.
- Você é uma prova. - ele revirou os olhos quando apontei para ele. Suspirei e me concentrei. Meus caninos aumentaram e afinaram. Nunca me acostumava com a dorzinha aguda que sentia de quando eles cresciam. Os senti tocar meu lábio inferior. Meus olhos verdes foram tomados pelo prata. Normalmente a pupila era envolta pela cor e tinha alguns intricados, mas quando me "transformava" o verde sumia. Sorri para ele. - Isso é o bastante para você? - ele arregalou os olhos assustado.
- Isso... é impossível... deve ser algum truque. - aquilo estava me irritando. Precisava de um drinque. Não gostava que duvidassem de mim.  
- Vamos ali... até a cozinha. - ele me seguiu desconfiado e observou enquanto pegava a taça e o vinho, antes de pegar o sangue na geladeira me virei para ele - Você está com uma sensação estranha, uma mistura de fome e sede?! - ele fez um gesto afirmativo com a cabeça. Abri a geladeira. Ele arregalou os olhos. Peguei um saco de sangue, despejei só um pouco na minha taça. Observei como John agia, seus olhos agora eram prateados. Joguei o saco para ele.
Ele bebeu todo o sangue. Rapidamente não havia mais nada. Eu nem tive tempo de tomar o meu drinque e ele já estava pedindo mais. Fiz um gesto negativo com a cabeça. Seu rosto estava todo sujo de sangue. Seus olhos se clarearam e ele me olhou acusadoramente.
- O que eu estou fazendo?! O que você fez comigo?! Isso não pode ser sangue! É tão doce...  não parece nada com sangue, sangue tem gosto de ferro!
- Isso é só uma das mudanças. - terminei meu drinque e lhe joguei o rolo de papel toalha - Limpe esse sangue do rosto. - ele limpou rapidamente fazendo cara de nojo.
- Aonde você vai? - segui até a porta do apartamento que ainda estava aberta, peguei minha bolsa e as chaves do meu carro.
- Você quis dizer aonde nós vamos. Vou te levar a um lugar... e quando voltarmos você irá limpar isto. - apontei para o vaso estilhaçado no chão. Entramos no elevador, um silêncio estranho se seguiu.
- Isso não é possível... deve ser só um truque. - ele ficava murmurando em voz baixa. A fase de negação estava no seu estagio final. Destravei o carro. Ouvi um assobio vindo de John - Isso é um Audi? Um R8?!- homens eram estranhos, apesar de estar passando por um momento absurdo em sua vida, ele ainda tinha capacidade de se impressionar por um carro.
- Acho que sim. Só o comprei porque gostei da cor preta, por ser veloz e bonito.
- Vocês mulheres são estranhas! – soltei uma risada enquanto ele entrava no carro e observava o interior. Dirigi rapidamente pelas ruas desertas - Precisa correr? Você pode matar alguém. Pode nos matar. - comecei a rir.
- Nos não podemos morrer, pelo menos não de acidente de carro. E quanto às pessoas, é mais perigoso se eu dirigir vagarosamente, você pode ouvir batidas de corações e matar alguém.
- Eu não mataria ninguém!
- Claro... Isso quando seu lado humano falava mais alto, quando você só o tinha, mas agora tem um animal dentro de você que é louco por sangue. - ele tentou recrutar, mas resolveu ficar calado. Ainda bem. O dia já havia acabado a algum tempo. Olhei no relógio. 01:30. Entrei no estacionamento do necrotério.
- Que lugar é esse? - não o respondi, simplesmente sai do carro. Um senhor de roupas negras e cabelos brancos caminhou em minha direção.
- Olá Victorio.
- Oi Valentina. Faz tanto tempo que não a vejo. O que a trás aqui?
- Meio que voltei a trabalhar. Tem algo para meu amigo? - apontei para John, que ainda estava dentro do carro, me olhando de forma desconfiada.
- Sempre tenho, sempre Val. - chamei John com a mão, Victorio entrou no prédio, o segui. Conhecia aquele prédio muito bem e o homem ao meu lado era um fiel amigo - Teve notícias de Franciele?
- Sim. Ela está na Rússia, junto com seu namorado. - Franciele era sua filha, uma vampira.
- Fico feliz de saber que ela está bem! - John seguia bem atrás de mim, parecia curioso, mas ao mesmo tempo sentia medo. A primeira vez que havia ido ali também tive medo. Era um corredor escuro, de pedras e um pouco frio. Isso para um vampiro que enxergava bem no escuro e muito raramente sofria em relação ao tempo. Imagina para um humano. Entramos em um corredor mais iluminado e um pouco mais quente.
Victorio abriu uma das portas de ferro, as paredes eram de aço, com gavetas até o teto. O cheiro doce estava presente, senti a vontade dentro de mim crescer. Controlei-a, estava ali por causa de John. Estava ali a trabalho. O velho abriu uma gaveta que tinha como etiqueta, DESCONHECIDO.
- Todo seu. - dizendo isto ele saiu e me deixou sozinha com John.
- O que está esperando? O cara já está morto, pode tomar o sangue. - era necessário que um novato tomasse sangue diretamente de um humano em suas primeiras 24 horas de vida. Era um modo de evitar que depois ele descontrola-se e perdesse toda sua consciência, seu lado humano. Esse controle provinha de substâncias que só o sangue armazenado dentro de corpos humanos tinha.  
- Não mesmo. - podia ver que ele estava salivando, mas conseguia se controlar. Estava com estomago forrado. Peguei um pequeno bisturi em minha bolsa e encostei no pescoço do morto. Uma pequena gotícula caiu. Em um piscar de olhos John estava ao meu lado, fiz um gesto afirmativo com a cabeça e ele cravou os dentes onde eu havia cortado.
Quando ele terminou, entreguei um lenço para que limpasse a boca, peguei um vidrinho dentro da bolsa e pinguei uma gota do liquido transparente onde John havia se alimentado. Os ferimentos se cicatrizaram.
- Terminaram Val? - Victorio estava com a cabeça enfiada na porta.
- Sim. - John parecia anestesiado pelo que tinha feito e ficou parado perto da gaveta. Peguei-o pelo braço e o arrastei até o estacionamento - Obrigada. - peguei algumas notas dentro de minha bolsa. Ele as pegou, relutante - Não se sinta mal por ser pago, assim como o senhor nos ajuda, nos o ajudamos.
- A senhorita é uma boa alma. Sempre que precisar pode vir aqui... E se não for pedir muito, quando falar com Franciele peça para ela me ligar.
- Pode deixar. - entrei no carro. John ficou calado por metade do trajeto.
- Posso me matar? - finalmente, agora a fase da depressão/revolta.

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