Dois dias. O tempo que
transcorreu desde que minha vida mudou completamente. Em um dos raros momentos
de lucidez que tinha lembrei-me de minha irmã mais nova. Ela estava escondida
no porão de uma casa abandonada. Assim como nossos pais haviam ordenado. Corri
para casa. Precisava saber se ela estava bem.
- Tina! Estava tão
preocupada com você! - ela me abraçou. Ouvi sua pulsação. Agradeci por ter
encontrado um andarilho no meio da rua e tomado seu sangue. Antes ele do que
minha pequena irmã.
- Catrina, querida,
tive problemas, mas eu estou bem. Senti sua falta! E adivinha? - levantei a
mão. Havia roubado uma pequena mercearia. Já que estava no fundo do poço, não
havia porque ser honesta. Meus pais haviam deixado eu e minha irmã sob
responsabilidade de meu irmão. Mas ele havia sido tirado de casa para lutar ao
lado dos alemães. Obvio que eles não sabiam que meu irmão era judeu. E agora
era meu dever cuidar dela - Comida para você.
Ela pegou o saco com
um enorme sorriso no rosto. Fiquei feliz por ela estar feliz. Enquanto ela
comia um pão, troquei de roupa rapidamente.
- Você não vai comer?
- Já comi. - respondi
rapidamente. Não havia conseguido comer nada, só queria o líquido quente,
viscoso e escarlate. Sentei-me em um pequeno sofá, logo ela se sentou ao meu
lado e encostou sua cabeça em meu ombro.
-
Como está lá fora?
- Ruas escuras,
pessoas passando fome, pessoas cobrando absurdos por um pão e ouvi falar que os
soldados estão vindo para a cidade.
- E nossos pais?
Alguma notícia? - a resposta era sim, mas resolvi ficar calada. Às vezes era
melhor ficar na ignorância do que descobrir a verdade.
- Nenhuma querida... -
observei que seus olhos brilharam, estava prestes a chorar - Mas, ouvi falar
que alguns soldados vão ter permissão para visitar a família. - ela me olhou,
um sorriso enorme surgiu em seu rosto. Preferi não lhe contar que talvez nosso
irmão não viesse junto.
Acabamos pegando no
sono. Acordei com um barulho ritmado e irritante. Olhei para Catrina, "via"
o sangue pulsando dentro de suas veias. A sede e a fome eram enormes.
Levantei-me rapidamente.
- O que houve? - ela
parecia assustada.
- Tenho que ir.
Prometo que voltarei!
Meu
coração se apertou quando essa lembrança invadiu minha mente. A afastei
rapidamente de minha cabeça, não podia ser fraca. Aquilo havia ocorrido há
muito tempo. Tempo demais. Não deveria me afetar.
-
Você tem duas escolhas... Posso ajudá-lo, mas a decisão será sua.
-
E quais são essas escolhas? -
-
Primeira, dizer que você está morto. Segunda opção, envolver ela nessa loucura.
-
Não se importam se humanos souberem da existência de vocês?
-
Você quis dizer da nossa existência - ele deu de ombros - Caso a pessoa saiba
guardar segredos e conviver com isso... Quantos anos ela tem?
-
28.
-
28... ela deve estar casada..
-
Sim, e está grávida de gêmeos.
-
Gêmeos! Pobre mulher... Você a envolveria nessa confusão? Sangue, predadores,
etc. - ele abriu a boca para responder - Não precisa responder agora. Pode
pensar, depois conversaremos sobre isso. – dirigi um pouco e logo estacionei na
garagem de um hospital. Pelo elevador fui até a recepção. John havia ficado no
carro, disse que ele devia ficar pensando, mas temia pela vida dos pacientes na
sala de espera do consultório.
-
Olá, boa tarde. Preciso falar com a Diana. - delicadamente empurrei uma nota de
cem para a garota - É urgente. - ela pegou a nota e discou para um número.
-
Siga no corredor, a última porta é a dela. - sorri delicadamente.
-
Valentina! Voltou rápido, deve fazer uma semana que veio aqui. - ela apertou
minha mão. Vampiros evitavam se aproximar demais de humanos. Diana era uma
médica que nós "alimentava". Ela vendia sangue.
-
Tive uma visita inesperada. Preciso de um pouco mais, não muito, porque vou
tirar férias em dois dias. - ela fez um gesto afirmativo com a cabeça e ficou
em pé. Seguimos por um corredor e entramos em uma sala refrigerada. Ela pegou
quinze sacos de sangue e colocou em uma bolsa térmica. Fiz um cheque com uma
alta quantia para que ela repusesse o que havia sido retirado. - Obrigada. Nós
vemos por aí.
-
De nada. É obvio que nós vemos. - ela sorriu desdenhosa. Pensei em respondê-la,
mas preferi ficar de boca fechada, não valia à pena. Peguei a bolsa térmica e
saí. John ainda estava no carro, ele estava procurando uma estação de rádio.
-
Esta estação que você ouve é meio ruim.
-
Eu escuto CDs. - me debrucei levemente sobre ele para abrir o porta-luvas,
peguei o porta CDs e lhe entreguei. Ele observou os discos enquanto voltava
para a rua movimentava. Escolheu um de rock clássico.
-
Para onde vamos agora? - observei o relógio. 17:00.
-
Meu apartamento. Um amigo vai nos visitar. - um silêncio se formou, passamos
por um grupo de jovens, os olhos de John brilharam de desejo. Aumentei a
velocidade do carro. Ele desviou o olhar e me fitou.
- Antes de tomar minha decisão em relação a
minha irmã, quero saber sobre os tais perigos...
Estava na rua da casa
que minha irmã estava escondida. Fazia dois dias que havia ido visita-lá. Ouvi
uma porta se abrir. Escondi-me em um beco. Três homens saiam da casa. Meu
coração disparou. Rezei para que eles não tivessem feito nenhum mal a minha
irmã. Eles passaram por mim. Todos usavam roupas pretas. Um deles olhou para o
beco. Parecia ser bem jovem. Tinha olhos violetas. Ameaçadores. Aqueles olhos
se gravaram em minha mente. Quando eles sumiram na esquina corri para casa. A
porta estava arrombada.
- Catrina?! Cadê
você?! - desci as escadas até o porão, onde era para ela estar. A encontrei
encolhida em um canto escuro. O cheiro doce invadiu meu olfato. Controlei minha
sede. Havia enormes cortes por todo corpo dela. Faltavam duas unhas.
- Tina... - sua voz
soou tão baixa e dolorida, que me deu vontade de chorar.
- Shii.. - coloquei meu dedo em seus lábios. Havia sangue neles. A peguei no
colo. Delicadamente a deitei no sofá.
- Eles estavam te
procurando... por favor se proteja...
- Querida, não diga
nada... guarde suas forças... eu vou chamar um médico... - ela não me deixou
terminar.
- Eles disseram que
você era uma aberração... que havia se tornado uma vampira... que iam te matar!
- ela observou meus olhos verdes sendo tomados pelo prata, depois meus lábios
onde as presas tocavam meu lábio inferior - Eu não me importo. Você ainda é
minha irmã, minha protetora - ela respirou profundamente e soltou um gemido por
entre os dentes - Só me prometa que vai ficar viva.
- Desculpe Cat... eu
devia estar aqui... devia ter te protegido! - um pequena lágrima rolou em meu
rosto.
- Tina... - ela
engasgou, um pouco de sangue saiu por sua boca - Você não teve culpa... só me
prometa...
- Eu te prometo
querida. - ela sorriu e depois começou a tossir desesperadamente, vomitando
sangue. Apertei sua mão. Rezei para um Deus que a cada dia duvida mais que
existia. De repente ela parou. Sua respiração e pulsação diminuíram até se
tornarem inexistentes - Catrina...
Aquelas
lembranças eram dolorosas demais. E fiquei agradecida por ter voltado à
realidade.
-
Lembra-se de que eu disse que existem 3 lados ruins? - ele balançou a cabeça -
O primeiro lado e ter que viver de sangue, apesar de que com a idade você
consiga comer, mas o sangue sempre vai ser o seu alimento principal. O segundo
é que você provavelmente vai ver todos seus familiares morrer. E por último a
pior parte, os caçadores.
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